PILOTO AVIADOR
Alguns dos seus feitos como piloto aviador militar:
VIAGEM LISBOA-BOLAMA
(27 de Março a 2 de Abril de 1925)
[UMA VIAGEM “FÁCIL”
No Outono de 1924, começava, finalmente a ganhar forma a antiga ideia de José Pedro Pinheiro Corrêa, oficial da Arma de Aeronáutica do Exército, de se efectuar a primeira viagem aérea entre Portugal e uma colónia Africana, neste caso a Guiné.
Ciente da pouca transcendência daquela ligação aérea, e sem a intenção de fixar ou bater recordes, Pinheiro Corrêa tinha como principal objectivo realizar a última ligação que era “necessário estabelecer por via aérea”, conforme escrevia ao seu amigo Horácio. “Ficaremos pela Guiné ou avançaremos?...Dir-te-hei como o nosso Borda-d’Agua costuma dizer: Deus super omnia…”.
Por essa época, a rota até à Guiné encontrava-se de certa maneira facilitada pelo estabelecimento da linha aérea Casablanca e Dakar, existindo, por isso, um considerável número de campos de aterragem com as condições mínimas para que se pudessem realizar as necessárias escalas técnicas ou, mesmo, aterragens de emergência.
Em 10 de Outubro daquele ano, precisamente na data em que António Brito Pais assumia o comando do 1º Grupo de Esquadrilhas de Aviação “Republica” (GEAR), na Amadora, o capitão Pinheiro Corrêa e o tenente Joaquim Sérgio da Silva faziam a entrega de um requerimento, solicitando autorização para realizar o raide Lisboa-Bolama, com as despesas a correr, naturalmente, por conta do Estado.
Finalmente, em 3 de Janeiro do ano seguinte, o requerimento chegaria ao Ministério da Guerra, acompanhado de um relatório detalhado, elaborado por aqueles oficiais e da informação contendo o parecer favorável da Comissão Técnica da Arma da Aeronáutica em que considerava o projecto viável, “quase podendo classificar-se de fácil”, servindo o mesmo para que “a aviação militar continue manifestando a sua utilidade e capacidade de acção duma forma útil para o país, estreitando os laços que unem a metrópole as duas colónias”.
Embora o orçamento da viagem fosse necessariamente “modesto”, na pior das hipóteses entre sessenta a oitenta contos, incluindo as despesas com gasolina e pessoal, face às dificuldades que o país atravessava, não estava afastada a possibilidade de o Governo indeferir o pedido.
Apesar disso, Pinheiro Corrêa, em carta dirigida a um oficial superior do Exército, mantinha-se optimista, apoiado, no seu dizer, no “tão portuguesinho provérbio…haja moralidade ou comem todos…estamos convencidos que nos não dirão que não”.
Admitindo o pior dos cenários, Pinheiro Corrêa e Sérgio da Silva encetavam, no mês de Novembro, os primeiros contactos com o Governador da Guiné, tenente-coronel Velez Caroço, procurando aquilatar das hipóteses do Governo daquela província suportar, na totalidade ou por subscrição, as despesas inerentes à viagem, como aliás viria a suceder em face do parecer negativo dado, algum tempo depois, pelo Inspector Geral da Aeronáutica, que informava não ser possível “distrair qualquer importância por pequena que seja” para as despesas de combustível…
Entretanto, a questão do combustível ficaria, em parte, resolvida pela generosa oferta, pela sucursal de Lisboa da Americana “Vacuum Oil Company”, de 2000 litros de gasolina da marca “Aviation”, a suficiente para as primeiras etapas.
Além disso, a referida empresa predispunha-se, ainda, a efectuar um desconto no combustível a empregar na projectada viagem Bolama-Luanda. Refira-se que, nesta altura, Pinheiro Corrêa e Sérgio da Silva ainda pensavam no prolongamento da viagem até Angola ou mesmo Moçambique.
Ao Governador da Guiné, além do auxílio material, era solicitada a preparação de um campo (“um rectângulo 800 x 1000 metros ou quadrado de 800 metros de lado, com entradas livres e em terreno consistente e sem declive”) para uma possível aterragem em Bolama, então capital da Guiné.
Nenhum aspecto relativo à viagem seria descurado, incluindo naturalmente os relacionados com o apoio de ordem logística nos pontos de escala. Para esse efeito, foram contactadas as autoridades aeronáuticas espanholas e francesas, que forneceriam toda as informações solicitadas quanto aos locais onde pudessem aterrar em segurança, nomeadamente no deserto do Sahara, enviando inclusivé “croquis” detalhados.
RODAS OU FLUTUADORES?
Os aviões disponíveis para a viagem à Guiné eram os, já cansados, Breguet XIV A2 do GEAR, tendo sido escolhido o aparelho com a célula nº15, carecido de convenientes reparações. O motor, que se encontrava em Hanoi aquando da celébre e atribulada viagem a Macau de Brito Pais, Sarmento de Beires e Manuel Gouveia, em 1924, era um “Renault” de 30cv com o nº 75.542, pertencente à Esquadrilha nº1 de Observação, e foi alvo de rigorosas inspecções por parte da equipa de mecânicos dirigida, precisamente, pelo recém-promovido alferes mecânico Manuel Gouveia, o terceiro elemento da tripulação que iria até Bolama.
A “Societé Anonyme des Usines Renault” foi, entretanto, consultada pelo alferes Gouveia no sentido de serem fornecidos alguns componentes, desenvolvidos pela marca francesa, cuja utilização evitaria os problemas mecânicos que afectaram o mesmo motor do Breguet que havia cumprido boa parte da ligação aérea Vila Nova de Milfontes-Macau.
Gentilmente, a Casa “Renault” procedeu ao envio, a título gratuito, de 36 molas de válvulas duplas, o que segundo Pinheiro Corrêa, “viria concorrer para evitar uma panne vulgar no motor”, além de dois jogos de novo comando da bomba de óleo, cada um comportando uma árvore de comando horizontal, um pinhão de comando e dois anéis.
A inexistência, a sul da Guiné, de campos de aterragem com as condições mínimas exigidas, levou a equacionar a instalação no Breguet XIV de flutuadores do tipo “Blanchart”, em vez das duas rodas e do patim de cauda, sendo consultados o referido centro e a “Societé Anonyme des Ateliers d’Aviation Louis Breguet”, sedeada em Franca.
Os flutuadores em causa haviam sido experimentados, sob o controle da Marinha francesa, no centro de Aviação de S. Rafael, em Fevereiro de 1923. Os ensaios foram plenamente satisfatórios, principalmente no que respeita à navegabilidade, rapidez a descolagem e à suavidade na amaragem e, sobretudo, verificou-se que em nada influiam na manobralidade do avião.
Através da correspondência trocada, Pinheiro Corrêa começa por considerar exagerado o preço pedido pelos flutuadores (35.000 francos), tanto mais que, no seu entender, a firma francesa também saíria prestigiada se o aparelho chegasse ao fim de uma viagem de 14.000 quilómetros…
Entretanto, e por outras vias, os aviadores eram informados que o Breguet, na sua versão de hidroavião, “mal se aguentaria em mar revolto e muito menos na tão conhecida calema do golfo da Guiné”, acabando por desistir dessa solução.
Foi, então, equacionada a utilização de um Fairey, ao qual se poderiam adaptar, indistintamente, rodas ou flutuadores, mas definitivamente a ideia de prosseguir a viagem para o sul da Guiné seria abandonada, visto não ser possível assegurar o “reabastecimento do avião nos diferentes pontos de escala para o sul da Guiné”.
UMA “FALSA PARTIDA”
“Confio absolutamente no êxito dessa viagem. As coisas estão magnificamente preparadas e eles têem as melhores condições para alcançar um triunfo porque além de admiráveis oficiais, são destemidos e pertinazes”. Palavras de Brito Pais quando interpelado, em pleno “Martinho da Arcada”, por um jornalista de “O Século”, numa altura em que à viagem a Guiné começava a estar, cada vez mais, na ordem do dia da imprensa da época.
Entretanto, em Fevereiro de 1925. transitava para a Direcção da Aeronáutica Militar Portuguesa, onde pontificava o general Agostinho Domingues, o relatório respeitante ao raide aéreo à Guiné. Tratava-se, Segundo “O Século”, de “um largo documento de muito interesse. Dentro de uma capa azul, fechada por um laço de fita de seda carmezim, numa porção de folhas escriptas à machina, acompanhada de graphicos e photographias dos campos de aterragem, explanam os vários trabalhos a realizar”. E, mais adiante, quanto aos propósitos da viagem: “Apenas (…) se pretende por essa forma demonstrar, que a aviação portuguesa tem uma comprehensao nítida da sua missão, acompanhando todos os progressos dessa arma dentro e fora do paiz, e podendo, pois, ser aproveitado com fins absolutamente utilitários e práticos.”
Pelo seu melhor terreno e maior perímetro, os aviadores pensavam, nessa altura, em descolar da pista internacional de Alverca, conforme constava no relatório apresentado. Mas seria da Amadora que na manhã nublada e chuvosa do dia 7 de Março o Breguet XIV n15, baptizado “Santa Filomena”, descolaria, ao som dos acordes da “Portuguesa” (tocada pela banda da Escola Agrícola da Paia) rumo a Casablanca.
O avião, com dois depósitos de combustível suplementares, de cor prateada, valendo-lhe, por isso, o epíteto de “Noiva”, atribuído por Pinheiro Corrêa, ostentava na fuselagem, não a tradicional Cruz de Cristo (esta encontrava-se sobre as asas superiores) mas uma Cruz de Ourique, da antiga Ordem dos Templários, rodeada pela insígnia “In Hoc Signo Vincis” (com este sinal vencerás), além de uma “figa” pintada na carlinga, ideia de Manuel Gouveia.
A bordo seguiam o chefe da missão, capitão Pinheiro Corrêa, nas funções de observador, o tenente Sérgio da Silva, como piloto e o alferes mecânico Manuel Gouveia.
Na véspera, os aviadores foram recebidos no Palácio de Belém pelo Presidente da Republica. Durante a curta audiência (cerca de dez a quinze minutos), Manuel Teixeira Gomes fez votos para que a sorte os protegesse, “como protegeu os seus colegas dos ‘raids’ ao Brasil e Macau. Se assim for, trarão consigo a glória ao regressarem ao continente”.
Mas, de facto, a sorte não os acompanhou logo na etapa inicial. As más condições meteorológicas que se faziam sentir, sobretudo o nevoeiro cerrado, obrigaram o Breguet a uma aterragem forçada em Quarteira, no Algarve, tendo o avião ficado na posição de “pilão”. De acordo com o relato do alferes Gouveia, no momento da aterragem um “forte golpe de vento inclinou o aparelho, batendo violentamente no chão com uma das azas, a quebrou”.
À excepção de Manuel Gouveia, que sofreu ferimentos ligeiros, os outros dois ocupantes saíram ilesos. O avião sofreu danos em duas asas inferiores e numa superior, mais tarde substituídas na Amadora. O motor também foi objecto de uma completa e cuidadosa revisão, no dia 14 de Março.
VOANDO PARA SUL
Em finais de Março, o mês de quase todas as viagens, com o “Santa Filomena” de novo operacional, o “raid” estava pronto a reiniciar-se após a “falsa partida”. E na manhâ do dia 27, o Breguet nº15 subia aos céus, levando agora como mecânico o primeiro-sargento Manuel António, visto que compromissos inadiáveis de Manuel Gouveia o impediram de continuar a integrar a equipa.
A par da alegria geral de tudo ter corrido como planeado na primeira etapa ate Casablanca (após seis horas de voo), o dia ficaria assombrado pelo grave acidente sofrido pelo Breguet nº13 do GEAR, que juntamente com outros aparelhos, deveria escoltar o “Santa Filomena” durante algum tempo. O avião caiu, em Barcarena, a poucos quilómetros da pista da Amadora. A bordo seguiam o piloto, tenente José Piçarra que teve morte imediata -, um jornalista de “O Século”, Mário Graça que acabaria por falecer três dias depois e o tenente Caldas que partiu as pernas, e sofreu vários ferimentos vindo a falecer mais tarde, em consequência do desastre.
As restantes etapas do raide (uma por dia) foram sendo cumpridas com maiores ou menores dificuldades, conforme a seguir resumimos, socorrendo-nos do relatório elaborado por Pinheiro Corrêa.
Casablanca - Agadir: 3h24 de voo; aguaceiros e nuvens baixas; a aterragem, partiu-se a ponta da asa esquerda.
Agadir - Cabo Juby: 4h55 de voo. Aguaceiros e vento forte pela frente.
Recepção amistosa da guarnição do forte espanhol. Em virtude da constante revolta da população do Sahara, ao avistar-se o avião foram ocupadas as trincheiras que haviam sido construidas para defesa do forte. Verificou-se, à chegada, que o depósito superior apresentava um pequeno furo.
Cabo Juby -Vila Cisneiros: 3h45 de voo. Tempo bom. O motor levou uma hora a põr em marcha. Ao aterrar, confirmou-se o furo do deposito e descobriu-se que as camisas de um dos cilíndros começavam a romper-se.
Vila Cisneiros - S. Luís do Senegal: 6h55 de voo; largamos atestados de gasolina. Constava do plano de voo uma aterragem em Port Etienne todavia, em face do vento fortíssimo que nos estava ajudando, verificámos que podíamos “queimar” a aterragem prevista e seguirmos até S. Luís do Senegal. O tempo durante toda a viagem foi péssimo. A temperatura do ar era de queimar. A turbulência era constante. A visibilidade, própria da região, levava, por vezes, a não se saber se voávamos sobre a terra se sobre a agua (fenómenos da miragem).
Ao aterrar, fomos sacudidos violentamente, mas a manobra foi normal. Como os franceses não possuíam qualquer unidade de aviação nessa região (…) foi-nos difícil encontrar óleo de ricínio (puro) para fazer o respectivo pleno e por essa razão fomos obrigados a esgotar o “stock” duma farmácia local…
Era nossa intenção voar directamente de S.Luís a Bolama e assim terminar nesse dia (1 de Abril) a viagem que havíamos projectado. Por felicidade, vários percalços a isso obstaram.
S.Luís do Senegal Dakar: 1h30 de voo. Às 5h e 30 minutos da manhã, já instalados na cabina do nosso Breguet, iniciámos a manobra de pôr em marcha o motor. Depois de esgotantes esforços do nosso mecânico, ajudado por vários voluntários locais (…) só às 16 horas (locais) isso veio a ser conseguido. O adiantado da hora forçou-nos a sómente poder seguir até Dakar. Durante essas tentativas, verificou-se que nova anomalia aparecia no material: um Segundo bloco de cilíndros com camisas rotas… Para cúmulo da sorte, ao aterrarmos em Dakar, encontrou-se um furo no tubo de cobre que levava a gasolina a um dos carburadores.
Se o motor tem “pegado”, como lhe competia, era quase certo que a viagem Lisboa-Bolama não chegasse a ser concluída!...
O pessoal francês e o nosso mecânico, trabalharam toda a noite.
Foram substituídos os dois blocos já citados mas, à última da hora, foi encontrado mais um bloco roto… que não chegou a ser substituído para se não perder mais tempo.
Dakar Bolama: 5h2 de voo. Etapa difícil sobretudo em virtude da visibilidade. Efeitos de miragem terríveis. A presença de uma mancha negra projectada na água dava-nos a impressão de ser uma ilha de terra firme. Os nossos processos de navegação eram sumários: a clássica bússula. A temperatura asfixiava-nos. A luz, não obstante uns óculos verdes que nos tinham oferecido em Dakar, incomodava-nos a cada minuto.
Apesar de tudo… as 15 horas e trista minutos (hora local) lá aterrámos no Campo de Aviação de BOLAMA e, orgulhosamente, pudemos gritar: MISSÃO CUMPRIDA!…
BOMBARDEAMENTO DE CANHABAQUE
No total, haviam sido gastas 31 horas e 31 minutos de voo, e percorrida a distância de 4.070 Km a média horária de 120 Km. Antes de se iniciar o raide, os cálculos efectuados apontavam para 32 horas de voo…
O Breguet “Santa Filomena” chegara à Guiné “no limite”, tanto mais que já não foi possível aos aviadores efectuar nele a viagem de regresso a Lisboa. Arrependidos estavam por não ter aceite a oferta de um motor, em Dakar, pelo comandante da esquadrilha francesa ali instalado, o coronel Tulasne.
Já na Guiné onde foram “apoteoticamente” recebidos Pinheiro Corrâa e Sérgio da Silva tomaram conhecimento de um levantamento da população da ilha de Canhabaque, contras as autoridades coloniais, que se recusavam a pagar o “imposto de palhota”. De imediato, os aviadores ofereceram os seus préstimos às autoridades da Província.
Segundo o Governador, os rebeldes estavam armados com espingardas, tendo-lhes sido fixado um prazo para fazerem a entrega das armas, caso contrário “ali voltaria para os obrigar pelas armas”.
No cansado Breguet nº15, aqueles oficiais realizaram, em dois dias seguidos (21 e 22 de Abril), missões de bombardeamento sobre os rebelados, lançando 65 granadas de artilharia, do tipo “Schneider”, que depois de adaptadas de forma rudimentar nas oficinas navais de Bolama, foram transformadas em bombas de avião. O seu lançamento, à mão, foi efectuado “por um oficial-bombardeiro cuja idumentária se limitava a um pyjama…tal era o calor (…)”.
A primeira missão, com a duração de 1h40, foi assim relatada pelos seus intervenientes:
“Descolámos às 6 horas e 55 minutos (locaes) tendo voado a ilha das Galinhas e próximo da ilha de Bubaque com rumo à ponta sul da ilha de Canhabaque, posto de Bine.
Reconhecemos o posto, descendo a 50 metros para largar duas mensagens para sua Exca o Governador.
Notamos a artilharia do posto saudar a nossa chegada com alguns tiros.
A 300 metros começamos o bombardeamento das tabancas indicadas nos croquis nº1, com granadas de 7mm, tendo sido atingido o objectivo. Descendo a 100 metros, conseguimos atingir uma palhota, o que nitidamente constatamos, é lançar algumas granadas dentro da povoação.
Notamos uma tabanca incendiada. Na tabanca mais próxima do posto vimos arvorar uma bandeira nacional depois de lhe terem cahido próximo algumas granadas.
Numa ala a leste da ilha notamos mais de 100 cabecas de gado pastando.
Regressamos ao campo de Bolama tendo feito o reconhecimento fotografico do posto de Bine e vimos que o Pelundo nos saudava apitando.
Aterramos as 8 horas e 35 minutos (locaes)”.
Na segunda operação de bombardeamento, e Segundo ainda com o Governador Velez Caroco, os indígenas, “refeitos do susto da véspera, já encaravam com mais ousadia as evoluções do avião e iam donde a onde mimoseando-se com o seu tiro de longa, felizmente sem resultado”.
Pinheiro Corrêa e Sérgio da Silva seriam louvados pelo Governo da Província pela sua actuação na Campanha de Canhabaque, em virtude da sua “abnegação, dedicação patriótica e valentia (…), apesar do avião sofrer de grave avaria no motor”
À chegada ao Barreiro, no dia 8 de Junho, vindos no comboio proveniente de Badajoz, um reduzido número de pessoas aguardava os aviadores: familiares, alguns colegas e jornalistas. Era o resultado da importância relativa atribuída à viagem à Guiné, quando comparada aos feitos anteriores de Sacadura Cabral, Gago Coutinho, Brito Pais e Sarmento de Beires…
Ao repórter do “Correio da Manha”, o piloto Sérgio da Silva não se cansava de repetir a expressão de espanto que ouvira da boca de um autoctone, na Guiné, no momento em que se aproximava do grande “pássaro” prateado: “branco tenez iran”, ou seja, “branco e feiticeiro”.
Refira-se, a título de curiosidade, que o Estado nunca pagou aos três tripulantes do “Santa Filomena” o vencimento correspondente ao mês de Maio de 1925, nem as devidas ajudas de custo, embora fossem possuidores de guia de marcha!]
Texto de: 1Sar Pedro Manuel Ferreira
Fotos: AHFA
Referência: “Lisboa-Bolama- A primeira viagem aérea a uma colónia de África”, 1Sar. Pedro Manuel Ferreira, Mais Alto, pg 4-15, Mar/Abr 2005.
(Textos amavelmente cedidos pela Revista “Mais Alto” )
CRUZEIRO AÉREO DO G.I.A.B.
(4-21 de Maio de 1934)
[O “CRUZEIRO MULATO”
Nos princípios de Maio de 1934, sete oficiais (seis pilotos e um observador) e três sargentos mecânicos do Grupo Independente de Aviação de Bombardeamento iniciavam uma viagem em cinco aviões biplanos Potez 25 A2, que os levaria de Alverca do Ribatejo a Espanha e aos protectorados francês e espanhol de Marrocos.
O designado “Cruzeiro aéreo do GIAB” tinha como principais objectivos estudar os aspectos organizacionais das aeronáuticas de Espanha e Franca, contactar com os métodos de instrução por elas seguidos e, ainda, proporcionar um treino de pilotagem e navegação mais profícuo que aquele que era conferido pelas “clássicas voltas de pista”.
A viagem seria, de forma humorística, apelidada de “Cruzeiro Mulato”, numa alusão ao “Croisiere Noire” (Cruzeiro Negro), realizado pela recém-criada Armee de l’Air de Franca, com 28 aviões Potez 25 TOE, entre 8/11/1933 e 15/1/1934, no percurso Istres - Bangui - Paris. Nas palavras do Maj. Pinheiro Correia, a piada serviria para “amenizar os maus bocados” e “dulcificar o negro quadro” que se apresentava a aeronáutica nacional…
Bem mais modesto seria o projecto apresentado pelo GIAB que além de mencionar os objectivos a atingir, enfatizava o facto de se tratar de uma missão a realizar com aviões de uma unidade de bombardeamento “cuja base de treino” deveria assentar, precisamente, nas “viagens a longa distância”.
Liderava a missão o Maj. José Pedro Pinheiro Correia, Comandante do GIAB, que seguia no Potez nº 13 “Azemor” juntamente com o Ten. Av. Humberto da Cruz. Constituíam as restantes tripulações: avião nº 1 “Ceuta” Ten. Av. Joaquim Baltazar e 2º Sarg. Mec. Dinis da Silva; avião nº 6 “Casabranca” Ten. Av. José de Melo Rodrigues e Cap. Obs. Tadeu Lopes da Silva; avião nº 9 “Capim” Ten. Av. Ciriaco Ferreira da Silva e 1º Sarg. Mec. Elias Lobo; avião nº 10 “Mazagao” Cap. Av. Joaquim Sérgio da Silva, 2º Comandante do GIAB, e Sarg. Mec. Arnaldo José de Araújo.
Cada aparelho foi baptizado com o nome de uma antiga praça portuguesa do Norte de África, pintado a branco sobre a fuselagem verde oliva.
A cada oficial foi confiada a missão de “estudar certo e determinado assunto”, devendo no final da viagem apresentar um relatório do que “houver feito, visto e ouvido”, obedecendo a seguinte distribuição de tarefas: Cap. Sérgio da Silva “Pilotagem e Missões a Pilotos”; Cap. Tadeu da Silveira “Organização da Observação em Geral”; Ten. Joaquim Baltazar “Iluminação de Pistas”; Ten. Ciriaco da Silva “Tiro e Bombardeamento”; Ten. Humberto da Cruz “Organização material”; Ten. Melo Rodrigues “TSF e Serviços Meteorológicos”.
EM ROTA PARA O NORTE DE ÁFRICA
No dia 4 de Maio, as 8h30 da manhã, os aviões descolaram na pista de Alverca rumo a Sevilha, primeira etapa do cruzeiro. O voo decorreu sem incidentes, as condições meteorológicas em rota eram boas e ao fim de 1h50 os Potez aterraram na base aérea de Tablada. E as primeiras impressões não podiam ter sido melhores, a avaliar pelas palavras do Ten. Humbero da Cruz: “Ao aterrar em Tablada, eu tive a impressão de que em Espanha há aviação. Deparei logo com um trimotor Fokker das carreiras comerciais e perto dele um Heinkel de linhas modernas (…). O aeródromo, que eu sabia já de modelar arranjo, surpreendeu-me pela beleza e grandeza das instalações.
A missão portuguesa efectuou uma visita detalhada a Basa da Tablada também aberta ao tráfego civil unidade onde se encontravam sediados três grupos: bombardeamento (Loring R. 3 e Breguet 19), reconhecimento (Loring R. 3) e caça (Nieuport 52 Hispano). Cada grupo possuía três esquadrilhas, com nove aviões cada em estado operacional e três de reserva. Colheriam igualmente elogios a Secção de Fotografia, os serviços Meteorológicos e, sobretudo, as “espaçosas e amplas oficinas” onde se efectuavam as reparações de motores e células de todos os aparelhos da aviação espanhola do Norte de África.
No dia seguinte, a 5, e após a obtenção das necessárias informações meteorológicas, os aviadores iniciaram a descolagem pelas 8h10 (hora espanhola), aterrando três horas depois no campo de Cazes, em Casablanca, iniciando o périplo pelas unidades da aviação francesa em Marrocos que os levaria também as cidades de Rabat, Marrakech e Meknes. Durante os dias em que permaneceu no protectorado francês, a missão lusa pode aferir da influência “decisiva e fulminante” que a aviação militar francesa teve na “ocupação e pacificação definitiva de Marrocos”.
Com a transferência, para Rabat, do comando do 37º Regimento de Aviação de Marrocos, Casablanca perdera alguma da “sua importância de outrora sob o ponto de vista da aeronáutica militar”. Todavia, ainda estavam ali instalados um grupo com duas esquadrilhas, cada uma com oito aviões militares e dois sanitários. Os aparelhos eram do tipo Potez 25 e Potez 29. Também funcionavam em Casablanca uma Escola de Mecânicos e um Parque de Reparações que servia todos os aviões em serviço no protectorado.
Em Rabat, a esquadrilha seria recebida pelo próprio Gen. Joseph Vuillemin, Comandante Geral da Aviação Francesa em Marrocos. A cidade era o “centro das principais autoridades militares e civis”, estando ai sediados um grupo e duas esquadrilhas com o mesmo tipo de aviões que foram observados em Casablanca.
Na visita a Marrakech, onde existia “uma base séria de Aviação”, o facto mais relevante registou-se a aterragem, quando o Potez n13 “Azemor” tocou com a extremidade da asa inferior esquerda na pista, ficando um pouco danificado. Uma simples reparação, efectuada no próprio local, foi o suficiente para colocar novamente o aparelho em estado de voo. O Maj. Pinheiro Correia apontou como causas do acidente o “defeito comum” a todos os Potez 25 e o “vento quente da região”.
Em Meknes, última escala em território francês, e “futuro centro de instrução aeronáutico” em Marrocos, existia uma escola de bombardeamento, impondo-se por isso a visita da missão do GIAB que acabaria por assistir a um exercício nocturno conjunto envolvendo a aviação e a infantaria. No decorrer das operações, registou-se um episódio curioso: após a queda de um pára-quedas luminoso num aduar vizinho “começou a constar entre os mouros que a esquadrilha portuguesa tinha andado a voar e logo tinha incendiado uma das barracas”!...
VISOR DE BOMBARDEAMENTO NA ORIGEM DE INCIDENTE POLITICO
Num cruzeiro marcado pela normalidade, a etapa Meknes Tetuan, que assinalava a entrada da comitiva no protectorado espanhol, constituíu a excepção à regra em virtude das péssimas condições meteorológicas em rota (má visibilidade devida ao denso nevoeiro e a chuva intensa) que se tornaram particularmente difíceis por alturas da aproximação ao Estreito de Gibraltar. Quando, finalmente, o avião do comando do cruzeiro aterrou no aeródromo militar de Sania Ramel, em Tetuan, já se encontravam na pista os Potez nºs 1 e 9. Todavia, faltavam os aviões nºs 6 e 10. Os momentos que se seguiram foram de verdadeira angústia, até se ficar a saber o seu paradeiro graças às diligências efectuadas pelo comandante do aeródromo.
Perdido dos restantes aviões, o Ten. Melo Rodrigues retrocedeu e foi aterrar a campo de Tanger. O Cap. Sérgio da Silva, vendo a península descoberta, optou por aterrar na região de Los Barrios, na provincial de Cádis, descolando em seguida rumo a Tânger. Na manhã seguinte, ambos os pilotos juntaram-se em Tetuan aos restantes companheiros.
Segundo contaram depois os aviadores espanhóis, Tetuan constituía “uma perfeita ratoeira para a Aviação” com o seu aeródromo situado no fundo de um vale rodeado de altas e afiladas montanhas, tendo um deles, perante o desempenho em voo dos camaradas portugueses, exclamado: “ Han ustedes hecho una Buena faena!”
De regresso a Espanha continental, a estadia em Los Alcazares constituía o ponto fulcral da missão do GIAB, pois ali se encontrava instalada a única Escola de Bombardeamento e Tiro que o país vizinho possuía, “apetrechado de aparelhos modernos para bombardeamento”. Nesse estabelecimento, em que os assuntos ligados ao bombardeamento tinham “um superior desenvolvimento”, já lá haviam estagiado alguns oficiais da Aviação Naval Portuguesa. Em Los Alcazares encontravam-se também sediados o Grupo de Hidroaviões da Península, entregue a Aviação Militar e equipado com aparelhos Dornier Wal, e uma esquadrilha de bombardeamento com aviões Breguet 19.
Mas o que mais atraíu a atenção dos aviadores portugueses foi um visor de bombardeamento que o Cap. Ismael Warletta, instrutor da escola, desenvolveu a partir do visor francês tipo S.T.AE que já era também utilizado em Portugal. Tratava-se de um aparelho de visão livre ou directa menos preciso, no entanto, que os visores ópticos que podia ser utilizado em aviões de reconhecimento ou bombardeamento ligeiro. As modificações introduzidas por aquele oficial resultaram num instrumento praticamente novo que deu provas das suas capacidades tanto na Escola de Los Alcazares como durante a Guerra do Rif, em Marrocos. A principal inovação tinha a ver com o facto de permitir realizar o bombardeamento corrigindo o efeito do vento.
Os portugueses conseguiram chegar a falar com o inventor do equipamento, ficando a saber que conseguiriam, facilmente, adquirir um exemplar do seu visor para Portugal, bastando para tal dirigirem-se aos Serviços Técnicos, em Madrid. Mas nem tudo se passaria de forma escorreita e simples, como de início se supôs, a começar pelas dificuldades levantadas por algumas aviadores espanhóis, “possivelmente ciosos dos seus inventos destinados a defesa nacional”…
Diferente seria a atitude do ministro da Guerra espanhol, Diego Hidalgo y Durain, que instantes antes do regresso da missão a Alverca mandou levar ao aeródromo de Getafe um visor “Warletta”, facto que daria origem a um incidente político em Espanha, com ataques dos partidos da oposição aos seu Governo e à ditadura portuguesa.
Assim, num artigo publicado no jornal “El Socialista”, intitulado”Que se le ha regalado a los portugueses?”, podia ler-se a dado passo:” El hecho es que el ministro da la Guerra, tal vez por no saber la importancia del asunto, se comprometio a que el visor fuese entregado, com evidente ligereza (cuando menos) y com desprecio de la serie de tramites burocraticos a que tan aficionados se muestran nuestros abogados gobernantes (…). Pus bien: un alto organismo militar hizo ver al minitro la enormidad de tal concesion; mas el ministro, en vez de tener el valor de rectificar, se ratifico en la dadiva, como lo demuestra el desenlace de la aventura: estando ya la escuadrilla portuguesa para despegar en el aerodromo de Getafe, y como si no esperasen outra cosa para emprender el vuelo, llego un coche rapido del ministerio de la Guerra, del que se saco un bulto, de las dimensiones correspondientes del visor de marras, que, embarcado en uno de los aparatos portugueses, fue la senal de marcha de la escuadrilla”.
E o ataque prosseguia: “He aqui como los aviadores portugueses llevaron a su senor, el dictador Carmona, un buen presente de la republica Espana. Un dia puede ser factor importante para que toda la peninsula caiga bajo la ferula de la dictadura jesuitica que aquel representa com Oliveira Salazar, correligionario de Gil Robles, y que no falta quien quiere ver pronto instalada en nuestro pais, aun a costa, si es preciso, de que la capitalidad de la Iberia unida recaiga en Lisboa”.
Mais tarde, na sua edição de Domingo, 27 de Maio, o jornal “Ahora” publicou uma curta declaração do ministro da Guerra acerca das acusações dirigidas pelo periódico “El Socialista”, negando que se tivesse tratado de um presente pois, segundo o próprio, “se ha hecho la entrega previos los asesoramientos necesarios. Una vez que llegue a Portugal sera devuelto por los procedimientos diplomaticos”.
Mas a presença na capital espanhola não serviu apenas para tratar da “aquisição” do visor de bombardeamento, uma vez que ali se encontravam sediadas as principais organizações aeronáuticas espanholas, tendo por isso um interesse particular para a missão.
Assim, foram efectuadas visitas aos aeródromos de Getafe, onde estavam sediadas esquadrilhas de observação, caça e bombardeamento, e Cuatro Vientos onde assistiram a um exercício que envolveu aviões de caça e bombardeamento a mais antiga unidade da aeronáutica militar espanhola, estando também aí localizada a Escola Superior de Aeronáutica e, por último, a Escola de de Aerostação, em Guadalajara.
DE REGRESSO A ROTINA DO GIAB
Segundo a edição de 18 de Maio de 1934 do jornal “La voz”, o chefe da missão declarou, à chegada a Madrid, que estava a ser uma viagem tranquila e sem história, “igual que los paises felices y las mujeres honradas”. Assim, no dia 21 de Maio, Segunda-feira, após descolar de Getafe, a esquadrilha aterrou sem percalços na pista do GIAB.
Foi, na realidade, uma viagem que apresentou reduzidas dificuldades de navegação, mas que serviu para um contacto previligiado com uma realidade que pouco ou nada tinha a ver com a existente em Portugal e em que ressaltava, além das “magníficas infra-estruturas” visitadas, sobretudo a “boa organização que por toda a parte” imperava, muito havendo a “aprender e até copiar” por uma aviação militar, como a portuguesa, que ainda se encontrava na “infância da arte”. De forma mais incisiva, concluía o Maj. Pinheiro Correia: “… Portugal, país de recursos reduzidos, não pode ambicionar vir a possuir uma aeronáutica tão desenvolvida como aqueles que projectávamos visitar, todavia, uma vez a viagem feita, toda a missão do GIAB constatou (…) que não nos faltam somente recursos, falta-nos principalmente uma nítida e clara compreensão do que é e para que serve a aeronáutica militar…”
Além dos aspectos puramente aeronáuticos, o cruzeiro encerrou uma vertente “diplomática” que teve a ver com o contacto que os aviadores estabeleceram com a colónia portuguesa em terras marroquinas, sendo recebidos em Casablanca, Rabat e Meknes “com lágrimas e flores”.
De volta à pequena unidade de Alverca do Ribatejo, os aviadores viam-se novamente entregues a uma rotina que os fazia definhar e que, no dizer do seu comandante, apenas servia “para gastar energias e para adquirir vícios de ordem moral e ainda muito principalmente os de ordem profissional”… ]
Texto de: 1Sar Pedro Ferreira
Fotos: AHFA
Referencia: “Viagem Aérea a Espanha e Marrocos- Cruzeiro do GIAB”,
1Sar. Pedro Ferreira, Mais Alto, pg 38-43, Jan/Fev 2007.
(Textos amavelmente cedidos pela Revista “Mais Alto” )
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